Em 2018, entrou em cartaz a primeira peça que eu e o Bá escrevemos, chamada “Os 3 Mundos”. A partir de um desejo da atriz principal, Paula Picarelli (que estudou com o Bá na ECA/USP nos anos 90), de atuar numa peça que tivesse a fisicalidade do kung fu (que ela praticou durante anos) e lidasse com o poder de manipulação de uma pessoa sobre outras (ela participou de um culto), criamos essa história distópica sobre um governante autoritário que rege um mundo de máscaras onde ninguém mais vê a realidade e sobre o culto da Serpente que chega trazendo dogmas que apresentam uma versão mais harmônica do mundo, mas que também não permite nenhum tipo de questionamento.
Nossa ideia era situar a peça num futuro distante, onde as formas mais extremas de controle fossem a realidade vigente, mas durante o passar dos meses em 2018 – e durante todo o governo que se seguiu, e com sequelas que nos assombram até os dias de hoje –, o absurdo da nossa alegoria foi ficando cada vez mais próximo.
Uma das nossa vontades de criar uma peça era abrir mão do controle total que o autor de Quadrinhos tem do produto final e abraçar um processo mais colaborativo. Atores de carne e osso trazem suas próprias leituras dos personagens, e o diretor e a equipe técnica trazem anos de experiência e sensibilidades próprias para contar a história que colocamos no papel.
Aproximar a alegoria da realidade brasileira foi uma escolha da Paula e do diretor, o Nelson Baskerville. Também foi deles a ideia de trazer mais elementos do universo dos Quadrinhos para o desenvolvimento visual da peça, e assim recordatórias, títulos e onomatopéias foram projetados no cenário que trazia desenhos do quadrinhista Eloar Guazzelli.
A peça ficou em cartaz de Setembro a Dezembro. Na noite da estréia, o Bá foi para a maternidade ver o nascimento de sua filha. Foi vista por mais de 35 mil espectadores, recebeu 14 indicações a diversos prêmios de teatro e ganhou um prêmio Shell de melhor cenário.
Houve conversas sobre a peça viajar depois da temporada em São Paulo, mas acabou não acontecendo. 2019 começou, e a realidade distópica nos fez não querer pensar na nossa ficção distópica por um tempo.
Pulamos para 2020. Com a chegada da pandemia, todos isolados em casa sem saber quando uma vacina viria, ou se viria, ou se o vírus chegaria à nossa porta primeiro, muitas iniciativas foram feitas pelo mundo artístico para entreter o povo enclausurado. Nos primeiros meses do isolamento, nunca foi tão importante para a alma ter o que ler, o que assistir, o que compartilhar à distância. O produtor da peça, Daniel Gaggini, resolveu disponibilizar online uma versão filmada da peça (filmada da platéia numa das noites da temporada original). O impacto visual da mistura das projeções com os atores não é o mesmo, mas dava para passar um pouco mais de uma hora naquele mundo, se envolvendo com aqueles personagens trágicos (tragicômicos?).
O link da peça continua online, disponível, e fica aqui nesta cartinha pra quem não teve a chance de ver a peça ao vivo, ou pra quem nem sabia que eu e o Bá nos aventuramos na dramaturgia, ou pra quem lembra com carinho da experiência visual dessa história de Lachesis e Acônito, do culto da Serpente e do mundo das máscaras.
Cuidem uns dos outros, com gentileza e curiosidade.
Pa-ZOW!
Fábio Moon
Base Lunar, São Paulo
29 de Março de 2024
Puxa, que legal! Acho que eu peguei um livreto da peça em algum lugar, mas confesso que ficou como souvenir de algum passeio cultural e eu nunca parei pra ler do que se tratava.
e o pdf para quem desejar ler a peça, mestre?