Olhando pra trás pra olhar pra frente. Olhando ao redor. Olhando o salão enquanto dançamos, pra não trombar com quem está na nossa frente ou com quem vem vindo logo atrás.
Quando eu comecei a escrever essas cartas, em Maio de 2018 (na época, usando a plataforma Tiny Letter), esse foi o primeiro desenho do caderno que eu compartilhei. Como no final de Fevereiro a Tiny Letter deixou de existir, fiz um backup das 51 cartas que escrevi por lá e revi esse primeiro rabisco. Achei simbólico para uma carta enviada no dia internacional das mulheres, e aqui estamos.
O DIA CHEGOU
Em 2021, foi anunciada a venda do imóvel da Mercearia São Pedro, bar na borda da Vila Madalena onde eu costumava encontrar muitos amigos da comunidade artística de São Paulo. Algum meses antes, eu tinha feito um desenho para a edição de um ano da RevistaRia, revista literária (virtual) criada pelo Marquinhos, um dos donos da Mercearia. Foi a última vez que desenhei o bar de observação, embora não soubesse disso na época. Lembro de ter reparado que, um pouco depois de fazer o desenho, a grande árvore que ficava em frente à entrada tinha foi cortada (devia estar atrapalhando a fiação elétrica, fato muito comum nas árvores que tomam conta das calçadas do bairro) e eu fui ver confirmar no desenho que ela ainda estava em pé quando fiz a ilustração. A imagem serve de memória da árvore, memória da pandemia que ainda nos assombrava a olhos vistos (compartilhávamos apenas nossos olhares uns com os outros naqueles dias incertos) e, a partir de agora, memória do bar onde encontrei tantos amigos, lancei livros, descobri tanto do mundo que habita em São Paulo.
O Joca, na época do anúncio da venda do imóvel, publicou um “depoimento” no jornal. Era o fim de uma era.
Mal sabíamos todos o quanto a parte burocrática dessa venda ia demorar, e quase dois anos se passaram. A Mercearia continuou funcionando nesse interim, e lá continuei indo almoçar com a frequência de sempre. À noite, passei a frequentar o novo bar/livraria do Marquinhos, a Ria Livraria, que transportou e acolheu com sucesso a efervescência cultural da comunidade boêmia da Merça. É igualmente perto do meu estúdio, motivo inicial que me levou pra ambos os bares.
No final de Fevereiro, a Mercearia finalmente fechou as portas. Nos últimos dias, a caminho do trabalho, tenho desviado um pouco meu percurso pra passar em frente à Merça e ver, dia após dia, os homens trabalhando com suas marretas na demolição do imóvel (e dos demais imóveis da esquina inteira, que darão lugar a um prédio). Tento prestar atenção no que vejo, sabendo que essas imagens vão agora habitar somente o terreno da memória. Se um dia eu resolver contar uma história que tem como pano de fundo a Mercearia, preciso cuidar desse terreno imaginário com carinho.
No estúdio
Quero muito lançar um livro novo. Vários, aliás. A cada dia que passa, fico imaginando histórias que poder virar Quadrinhos, e quais eu gostaria que virassem os meus Quadrinhos, e quanto tempo eu ainda preciso focar numa história antes de me jogar na próxima. Para um autor que está priorizando narrativas longas, todos os tempos envolvidos na produção dos Quadrinhos são longos, e eu preciso ter paciência e me manter inspirado durante a produção. Recentemente, fiquei reparando vários autores nacionais comemorando nas internet que conseguiram uma mesa para expor seus trabalhos no FIQ, tradicional festival de Quadrinhos que acontece em Belo Horizonte. Eu adoro o festival, fui durante anos, mas provavelmente não vou na edição desse ano. A energia que cada artista recebe nessa troca com outros artistas e com o público é muito importante, e nisso poucos festivais são tão energéticos como o FIQ, mas pra mim é mais importante agora continuar produzindo a nova história e buscar um outro tipo de energia, que vem de um lugar diferente, mas tão importante quanto: a energia que vem de ver sua história tomando corpo na sua frente, dia após dia, que você só encontra quando encontra seu ritmo e produz diariamente, se tornando nessa rotina diária o seu primeiro leitor.
Espero que o mercado que Quadrinhos continue forte e não nos esqueça nesse período em que não vamos a FIQs, ou a CCXPs (como a do ano passado), ou a convenções internacionais ou feiras do livro em países que nunca fomos e temos muita vontade de conhecer.
Os livros que já publicamos nos levaram pra tantos lugares do mundo, e mal posso esperar pra descobrir para onde nossos próximos livros nos levarão.
Cuidem uns dos outros, com gentileza e curiosidade.
Pa-ZOW!
Fábio Moon
Base Lunar, São Paulo
8 de Março de 2024