Terminei mais uma página na Quarta-feira à noite. Tinha combinado um jantar romântico e isso me ajudou a terminar a página antes das oito da noite. Na quinta de manhã, fui em busca de uma placa de papelão grande o suficiente para meu projeto de caixa de envio dos originais para a exposição que faremos durante o Festival de Amadora neste ano, em Outubro. Como mencionei numa carta anterior (em inglês, talvez? Não me lembro), um dos nossos livros (O Alienista) foi desenhado em folhas de papel fora do formato mais frequente (A3) e os originais não cabem em nenhuma embalagem já disponível.
– Foi isso que você aprendeu na faculdade, né? – brincou o Bá quando viu o papelão cortado no molde e me ajudou com as dobras. De fato, o primeiro ano da minha faculdade de Artes Plásticas, que foi cursado juntamente com a turma (e com o conteúdo) de Desenho Industrial, me ajudou nesse momento.
Depois de comprar a placa de papelão e medir sua espessura (3mm), acrescentei 6mm para cada uma das medidas de 4cm, planejando colocar mais duas placas dentro da caixa para envelopar os originais. Uma proteção a mais. Também acrescentei uma aba no canto esquerdo do desenho pra ajudar a fechar a caixa.
Olhei pela janela, pra apreciar o veranico da semana, e reparei nos adesivos que estão há uns quarenta anos grudados nesse vidro. Nosso estúdio fica na casa onde cresci toda minha infância e juventude, e esse cômodo onde eu estava montando a caixa costumava ser o nosso quarto (eu e o Bá dormimos no mesmo quarto até os 24 anos de idade), e na janela permanecem os registros daquela infância interessada em qualquer coisinha um pouquinho mais visual: um adesivo de marca de roupa, uma caveira de marca de skate, um Bob Cuspe inspirando dois moleques de 11 ou 12 anos a desenhar pessoas com narigão (e óculos escuros, claro. A maioria dos personagens do Angeli que se prezem escondem essa janela da alma dos meros mortais).
Depois de terminar a caixa e colocar cuidadosamente os originais dentro, fui a um sarau na charmosa livraria Bibla. Fiquei um pouco chateado que não tinha nenhum dos meus livros na sessão de Quadrinhos, mas o Bá depois me tranquilizou dizendo que já foi algumas vezes, conversou com o pessoal da livraria, e sempre encontrou nossos livros.
– Devem ter esgotado, mas sempre tem. – ele disse.
Encontrei na livraria três mulheres que estudaram comigo na escola (na época daquele adesivo do Bob Cuspe) numa reunião improvisada já que uma, que hoje mora nos Estados Unidos, estava de passagem por aqui. E ela me disse que conseguiu achar nosso Daytripper lá fora, em inglês, com muito mais facilidade do que a versão em português por aqui.
– Vive esgotado aqui no Brasil. – eu disse.
Uma delas, que continua morando aqui em São Paulo, acompanha nosso trabalho mas diz que soube muito mais quando viu o documentário Vou Viver de HQ, que sempre nos viu desenhando na sala durante as aulas, nos cadernos, nos convites das festas de aniversário, nas capas dos cadernos de poesia, mas nunca imaginou onde esses desenhos todos iam nos levar.
Naquela época, acho que nem a gente imaginava.
Reparei que começou a tocar uma música que eu gosto de cantar para a minha namorada. Ela terminou uma conversa com uma das autoras do sarau e veio na minha direção.
Ouvi a música e fiquei com vontade de dançar.
Cuidem uns dos outros, com gentileza e curiosidade.
Pa-ZOW!
Fábio Moon
Base Lunar, São Paulo
22 de Agosto de 2025